Plano-sequência (#7): Children of Men (2006)

Com Gravity a surpreender pela positiva tanto na bilheteira como no círculo da crítica, Children of Men é um óptimo filme a rever como lembrança daquilo que Alfonso Cuarón é capaz como realizador. Não poderia reclamar melhor filme para encerrar esta primeira edição de selecção de planos-sequência. Uma rubrica que se pretende mensalmente regular, com uma semana especialmente dedicada à abordagem dos melhores exemplos na arte desta técnica que tanto admiro. 
E é com uma perfeita noção de justiça que incluo os seus planos na mesma edição que se preenche com nomes como Tarkovsky, Godard, Welles, Haneke, etc. A par com o já abordado Touch of Evil, o filme de Cuarón apresenta os planos-sequências mais complexos. Não sendo possível a derradeira escolha, são assim destacados os dois planos-sequência mais ambiciosos. 

26:13 - 30:21

Automóvel. Tarde. Interior. A câmara afasta-se do protagonista que se encontra a dormir no banco de trás. Distancia-se até integrar no enquadramento a mulher no assento imediatamente à frente. Estabelece-se um enquadramento mais geral e sabe-se agora ser possível a cobertura física das cinco personagens no interior. Memórias entre o ex-casal são trazidas à tona. O nível de descontracção está instalado e prestes a ser desfeito. A câmara aproxima-se para reservar um enquadramento íntimo entre os protagonistas, onde se explora em poucos segundos a dinâmica que outrora fazia parte das suas vidas. As gargalhadas são interrompidas por um carro em chamas, igualmente registado pela câmara que inclui também os novos motivos. De destacar a boa profundidade de campo, que se ocupa por focar as personagens no interior bem como os atacantes no exterior em constante movimento. Numa controlada volta de 360 graus, a câmara regista os acontecimentos simultâneos no flanco esquerdo e direito do veículo. É incrível o quão coreografada se encontra esta sequência. 
No instante do tiro, são registadas as reacções dos restantes ocupantes. Nada de relevante falha perante o olhar da objectiva. Cada actor, duplo e figurante assume o seu lugar e acto no momento preciso. O tempo real transporta-nos para o desespero contido naquele espaço. Entram em campo vários carros de patrulha, um novo motivo a ter em conta no espaço diegético. A noção de mise-en-scène assume-se como outro factor de destaque. No plano em questão, os dois polícias respeitam a posição que lhes fora atribuída, ficando assim visíveis no campo de visão abrangido pelo espectador. A câmara abandona o veículo com o protagonista e não retorna a entrar aquando do regresso deste. O automóvel abandona o local. A objectiva lança um último olhar para os corpos inanimados no chão. 

1:23:51 - 1:30:09

O uso da câmara à mão demonstra-se como a escolha perfeita mediante o cenário e a acção desempenhada. O realizador opta por acompanhar na íntegra o percurso das várias personagens, sendo que o protagonista é quem recebe o foco especial. Num espaço de poucos segundos passa de enquadramento geral para um close-up, que por sua vez dá lugar a uma nova visão geral que espelha o olhar subjectivo da própria personagem principal. O cenário pós-apocalíptico é absolutamente brilhante, revelando novas camadas prontas a serem destapadas. Funciona como uma personagem, aquela que permite a deslocação conveniente daquelas pessoas no tempo e no espaço. A ocular mancha-se de sangue e estremece como se fosse apenas mais um civil no meio da guerra apoteótica. Alguns segundos de slow-motion que ilustram a perda de audição momentânea. A fluidez do movimento da câmara é absolutamente impressionante, respeitando a velocidade comedida da personagem bem como dos indivíduos em redor. Dá-se o reencontro e quebra-se o plano-sequência. 

Comentários

  1. Os personagens de Clive Owen são sempre enigmático e está fazendo muito bem para o tipo de personalidade que você tem, em Children of Men fez grande e está sendo feito na série The Knick onde ele é o protagonista, representa médico viciado ele faz muito bem.

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    1. Obrigado pela sugestão. Estou cada vez mais curioso para essa série, só me chegam elogios aos ouvidos! :D E ainda mais curioso pelo cunho do Steven Soderbergh. A ver assim que conseguir despachar algumas das séries que estou de momento a visualizar.

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