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Melancholia e a colisão do falso sorriso

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Justine entra em cena de sorriso no rosto. Radiante, imaculada, perfeita na senda do padronizado. Mulher. Filha. Irmã. Funcionária. Recém-casada. O sorriso é alicerce aos papéis a desempenhar. É rótulo e certificado de felicidade aos olhos daqueles que a rodeiam. Assim lho exigem, qual animal de circo que tem de lhes reconhecer a presença. “My dear girl, you look…glowing today. Never seen you look so happy.” , afirma o pai a determinada altura. A sua felicidade é validada como expoente máximo por todos excepto pela própria. Carrega às costas o peso de idealizações terceiras, de rituais, tradições que lhe ditam um limiar a transpor no propósito de ser feliz.   John: You’d better be goddamn happy. Justine: Yes, I should be. I really should be. É no esbater gradual do sorriso que temos a maior pincelada na caracterização da personagem, por directo contraste ao até então apresentado. Sinal de aviso, novo capítulo num historial clínico que a demarca inútil no seio de u...

A ventoinha de Laura Palmer

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Regressam os andróides de Lanthimos . O fascínio? Ainda por lá anda, longe de cessar. Cenário absurdo e de uma frieza plástica que surpreende por conseguir ainda assim despertar a mínima empatia do espectador com as personagens. Presentes encontram-se laivos do papel do homem no seio familiar, fardo pouco frequentemente usado como motivo narrativo, eximiamente desconstruído há uns anos em Force Majeure . Os quadros de The Killing of a Sacred Deer parecem querer ser o pesadelo de um qualquer agorafóbico, crescente no sufoco de uma câmara que de longe observa. Diminui-os na importância do cosmos. O olhar voyeurístico tido à distância, frio, calculado, impassível ao que se desenrola diante de si. A contrariar o seu quê de imóvel encontram-se as ventoinhas de tecto, num movimento contínuo que espreita pontualmente pela margem superior do enquadramento. Paira sobre eles algo prestes a despontar, transparecendo na dança das hélices uma certa inquietação. Não aparentando ser objecto ...

Ecrã de Haneke

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  Máxima na ambiguidade, Caché faz aquilo que quer do espectador. O ecrã de televisão sempre à espreita, qual janela aberta a um mundo podre que lhes chega somente por via dos media . A violência é constante adorno à caixa mágica, seja por dentro ou por fora - uma vez visto, impossível afastar da memória o ecrã sujo de sangue em Funny Games . Haneke faz questão em trazer a violência, uma e outra vez no curso da sua carreira, para o colo da classe média-alta. Destrói a bolha de relativa segurança que lhes pontua o privado. No plano aqui em destaque - a passividade de voyeur lida no recorrente olhar fixo da câmara -, Haneke faz questão de equacionar a possibilidade de violência dentro e fora do pequeno ecrã que lhe ocupa o motivo de foco central. Em primeiro plano, o casal protagonista que tenta descobrir o paradeiro do filho. Mais distante e entre ambos, o ecrã - e não serve este como momentâneo e subtil protagonista? - que dispõe a realidade do mundo lá fora. A violência no...

"Happy End" ou como reciclar toda a obra de Haneke

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  Happy End é filme-resumo da carreira de Michael Haneke. Ecoa Der siebente Kontinent na sobriedade do suicídio. Usa ainda do seu filme de estreia o dinheiro como temática corrosiva. Traz muito de Benny's Video para a adolescente que observa o mundo através do olho da câmara, numa ânsia do registo que a ambos tolda a vista e os torna mais frios ao valor de uma vida. Ainda que em Happy End não se passe das palavras ao acto, proporciona-se também aqui tempo de antena aos fetiches pouco convencionais que foram pauta a La Pianiste . A vigilância de Caché , exacerbada no pós-11 de Setembro, novamente a (des)construir a linha entre público e privado. Presente ainda Amour e o corpo envelhecido como carcaça que sufoca e limita. Happy End volta a embrenhar-se no confronto da classe média, não houvesse uma recorrente tentativa do austríaco em empreender um estudo sociológico no curso da sua filmografia. Torna-se mais evidente na recta final do filme, num contraste entre clas...

The Great Buddha+, o umbigo e o capachinho

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The Great Buddha+ deixa transparecer uma introspecção bastante sóbria, característica de quem chafurda nas ínfimas possibilidades do metacinema. O taiwanês Huang Hsin-yao - na primeira incursão pelo campo da longa-metragem de ficção, num alongar da sua curta homónima - avisa o espectador de antemão quanto à possibilidade de se vir a intrometer no curso da narrativa, em jeito de comentário áudio indissociável ao filme. Ocasional interacção entre produto fílmico e espectador, num piscar de olhos e reconhecer da presença - "O filme é a preto-e-branco, ninguém vai reparar na cor da mota", aponta a dada altura uma das personagens. Sendo que o voyeurismo lhe é tema maior, essa sua opção de se embrenhar no metacinema só eleva a postura do próprio espectador a um outro patamar de crítica. Seres errantes - até mesmo o cenário se encontra em consonância com esse ocupar fluido de tempo e espaço - que procuram uma forma não só de passar o...

Dívidas aos ombros

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Na era do olhar como veículo, substituto à ausência de voz audível, contava-se tudo mediante o seu enaltecer. A composição do plano dispõe os credores e a devedora na discrepância do fosso de poder que os demarca entre si. As dívidas nas mãos dos quatro homens em segundo plano. Observam-na de cima, reduzindo-a na importância. O olhar da mulher num crescendo de terror. As mãos em destaque, ainda que não lhes caibam o protagonismo da história. A postura conta a sua condição actual. The Hands of Orlac tem aqui um dos seus mais memoráveis quadros.

Utopia imprecisa

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Em plena tentativa de fuga há um belíssimo momento que permite a The Circle recuperar o fôlego. Duas mulheres junto a uma pintura que ilustra a terra natal daquela que lhe aponta o dedo. O pintor não foi preciso. O destino ali representado como distante da memória que o conservara. Ponto de fuga que tanto promessa comporta. Janela aberta à personagem, à mulher como sexo inconformado.