Plano-sequência (#2): Week end (1967)
É inegável a presença de vários simbolismos no decorrer dos filmes de Jean-Luc Godard, passíveis de serem descodificados ao longo de várias visualizações. Pequenos pormenores que podem ilustrar a postura política do realizador ou a sua visão perante um sociedade apodrecida.
No plano-sequência em questão, pequenas pistas para a sua crítica social são dispostas pelo espaço a ser enquadrado. O plano inicia-se com a câmara em pleno movimento, ao criar espaço para que o automóvel protagonista possa preencher o campo. O enquadramento revela um automóvel azul, seguido por um branco, que por sua vez precede um vermelho. Alinhados por essa ordem, constroem desse modo a bandeira francesa. O poder legislativo apoia-se na cor azul, sendo que o primeiro veículo o representa. Observam-se várias malas de viagem no tejadilho do mesmo. Prenúncio para a queda das leis, deixando assim o ser humano à margem das regras e condutas que o comandam. Segue-se a cor branca, que ilustra o poder executivo. E encerra-se o desenrolar da bandeira com o automóvel vermelho, este representando o povo francês. A porta encontra-se aberta e o condutor joga às cartas com outro ocupante no exterior do carro.
Começam a desfilar os comportamentos bizarros com os ocupantes a ocuparem o tempo com actividades típicas de fim-de-semana. Observa-se o primeiro sinal concreto do caos num carro azul virado ao contrário na berma da estrada. As buzinadelas não cessam no decorrer do plano-sequência. O casal protagonista avança cada vez mais e o travelling lateral faz questão de os acompanhar. CIVILIZAÇÃO. Palavra que começa a perder a sua essência ao longo da estrada de alcatrão.
A serenidade campestre empresta o fundo ao caos que se faz sentir na estrada em primeiro plano. Os humanos exaltam-se e abordam os nossos protagonistas furiosamente. Nas carrinhas em frente encontram-se alguns animais enjaulados. Mais uma vez, não deixa de ser irónica a escolha da cor azul para as carrinhas. A simbologia da LIBERDADE, perdida nas jaulas que os albergam. Talvez se acedido por outro ponto de vista, se possa afirmar que os seres atrás das grades se encontram verdadeiramente livres da selva no exterior. Afinal de contas, os animais selvagens encontram-se à solta a trocar buzinadelas e palavras furiosas. É notória a total indiferença do ser humano perante os vários acidentes ao longo do trajecto, principalmente quando contrastada com a falta de paciência para com o trânsito e possíveis indivíduos que não respeitam uma ordem estipulada. Ainda se vislumbra alguma ordem no meio de tanta desordem?
Um casal a jogar xadrez em pleno trânsito. Interessante a escolha de um jogo de estratégia, como que a indicar que naquele espaço que todos partilham, o equilíbrio se possa encontrar nas jogadas daqueles dois seres. Ou em alternativa nada resulta para além do choque como se pode depreender.
A banda-sonora marca presença durante a aparição da marca Shell, o representante escolhido por Jean-Luc Godard para ilustrar o poder do petróleo, um dos grandes impulsionadores do ser humano. O ser alegadamente humano apressa o seu movimento com a fuga em vista no fim-de-semana. Espera-se consumismo para lá daquele pequeno êxodo.
Corpos inanimados espalhados pela berma da estrada. O vermelho fetiche de Godard funde-se agora no sangue. Sem qualquer pestanejar perante os cadáveres, o casal que o espectador acompanha consegue abandonar a confusão. O travelling dá lugar a uma panorâmica horizontal que finaliza o plano-sequência, acompanhando o trajecto do veículo até se decidir pelo abandono do mesmo.
Duração: 8'01''
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