Crítica: Pietà (2012)


Argumento e Realização: Kim Ki-duk
Elenco: Lee Jung-jin; Jang Mi-sun.

[Spoilers] Era uma vez um homem que emprestava dinheiro a pessoas que tudo dariam para o ter. Era uma vez um rapaz que cobrava as dívidas. Era uma vez uma criança que regrediu até à idade da inocência ao ver a sua mãe regressar trinta anos após o ter abandonado.
O nosso protagonista Kang-do (Lee Jung-jin) vê a sua mãe regressar para lhe dar o amor que sempre teve em falta. Inicialmente relutante perante a aproximação da mulher que o abandonou segundos após o ter trazido ao mundo, acaba por lhe dar uma oportunidade.
É interessante como na maioria dos filmes o espectador tenta analisar a personagem e os seus respectivos actos na esperança de atribuir alguma culpa às suas origens, à forma como foi criado. E aqui nem necessita de o fazer, pois a mãe aparece para relembrar o filho e o espectador de que a sua ausência é a verdadeira catalisadora do monstro que se gerou. E é precisamente com esse ponto de vista que Jang Mi-sun (Jo Min-su) entra em cena. Acredita que é responsável por todo e qualquer acto que possa advir da sua cria. Dessa leviandade resulta uma das cenas mais fortes num filme por si só bastante violento. O filho viola a sua própria mãe quebrando toda e qualquer barreira ética e moral. Uma cena bastante violenta que espelha uma representação oriunda de uma dupla de actores muito competente.
É interessante observar a mãe a tomar as culpas por todos os actos do filho, dizendo serem resultado do seu abandono. Apesar dele ter um impacto tremendo na vida de várias personagens no decorrer do filme, tais palavras por parte da sua progenitora reduzem-no à insignificância, como se toda a sua existência não estivesse mais do que espelhada naquele abandono à nascença.
Gradualmente observamos a sua fragilidade a vir à tona sob influência de uma mulher outrora ausente. A relação entre os dois é um verdadeiro acontecimento cinematográfico. Uma relação entre mãe e filho explorada na sua verdadeira essência, ainda que tardia. A mãe a observar com orgulho a sua criança a sair de casa para cobrar uma dívida como se a estivesse a observar a sair para a escola. Voltou para desempenhar as tarefas que lhe competem e dar ao seu filho o que ele necessita. E o que ele necessita é de uma passeio de mãos dadas. Maravilhosa cena em que o vemos a regredir até um tempo pelo qual nunca passou.
Deslumbrante a cena em que um dos devedores afirma querer perder ambas as mãos para poder fornecer ao filho tudo o que este precisa. Ou outra sequência que resume a essência desta obra, referente ao homem que se suicida após ter gasto todo o dinheiro em bens superficiais. Esta última cena remete para questões bastante importantes. De que forma a nossa sociedade contemporânea deteriorou os valores morais que se fizeram sentir ao longo dos tempos? Hoje em dia um indivíduo é capaz de vender um rim na tentativa de conseguir dinheiro para comprar uma playstation. Este é apenas um dos exemplos entre os muitos que desfilam diariamente diante de nós. E o mesmo se passa com as personagens neste filme. Valores como a dignidade ou o orgulho caem por terra face a valores de outra ordem de importância. Também estas personagens preferem um corpo com algo em falha a não terem dinheiro. Mas o mundo não é para os aleijados, tal como este pedaço fílmico faz questão de relembrar. E não é de todo desprovido de sentido a alusão a pais que se tornam aleijados para providenciar algo aos filhos. Não é descabida a noção de que uma parte da pessoa se perde na criação de um filho.
Mas a determinada altura a sua mãe reaparecida deixa de ser realmente a sua mãe, algo que apenas o espectador tem conhecimento. É a mãe de um rapaz que sucumbiu nas mãos do desespero por não conseguir devolver o dinheiro que deve. O suícidio foi a saída mais próxima. Agora a mãe do filho que sucumbiu quer vingança. Aparece na vida de Kang-do e basta-lhe colocar-se no lugar de ódio que ele criou para ela ao longo dos anos.
Quando lhe deu o amor que lhe faltava e agiu como a mãe que seria a sua tarefa estava completa. A vingança termina no seu suicídio. Fica a questão no ar: a origem determina o nosso ser ou todas as nossas vivências nos afectam e moldam a nossa personalidade?
No seu 18º filme, Kim Ki-Duk mostra-nos a sua sensibilidade com a câmara, a mesma a que nos habituou ao longo de toda a sua carreira. É absolutamente bela a sequência de planos em que observamos a tentativa frustrada de um paraplégico em observar o horizonte. De salientar ainda a representação absolutamente fabulosa de Jo Min-su.
Era uma vez um rapaz que descobriu que o dinheiro move o mundo...

Classificação: 9/10

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