A melodia dos pistoleiros

Um olhar que aponta o rumo a tomar pela câmara. Outro que devolve a tensão sentida no ar. Olhares que tanto dizem na sua mais pura essência. Olhares que antecipam um instante que pode catapultar toda uma sucessão de acontecimentos. A câmara enquadra o pormenor quase indistinguível do alcançar da arma. Uma dúzia de dedos que se exigem tão cautelosos quanto rápidos. A antecipação mostra-se como um momento deveras crucial e nela reside a verdadeira prova do valor de cada um. Olhares que batalham nos meandros de um deserto árido. Um jogo entre close-ups e planos gerais, que nos aproximam e distanciam de um momento quase íntimo. O barulho das cigarras a preencher a imensidão do vazio e os cavalos prontos a relinchar ao som das balas disparadas. E chega o dito instante. Aquele milésimo de segundo que já se encontrava em processo de germinação na mente do espectador. Tudo graças à extensa antecipação. Corpos caem e passam a ser não mais do que meros invólucros do vazio. Um tiro que se propaga nas suas mais variadas repercussões por mais do que um milésimo de segundo. O que persiste cavalga em direcção a um horizonte longínquo.
Por todas estas e muitas outras características merecedoras de destaque, o western torna-se um género que dispensa apresentações. Demarca-se dos restantes, oferecendo uma forma que dá aso a argumentos sublimes. Once Upon a Time in the West (1968) é sem dúvida uma ilustração requintada do que de melhor se consegue no seio deste género, mais concretamente no sub-género spaghetti
Certos leitores deste meu espaço já me haviam alertado para a mestria da sequência inicial. Bem, não tenho como não concordar e agradecer ao Sergio Leone por tornar esta numa das melhores cenas que pintam a sétima arte. Já Hitchcock dizia que a maior aposta residia na antecipação. Ao observar aqueles três homens também nós sustemos a respiração em jeito de espera pelo acto vindouro. A mise-en-scène é brilhante, cada vértice daquele triângulo move-se como num palco. O som sempre presente do moinho e afins acaba por se tornar gradualmente inaudível, pois o silêncio cortante assume todo o protagonismo. Os movimentos de câmara tornam grandioso um cenário de pequenas proporções. A profundidade de campo faz-me sorrir perante a sua perícia. Revela pormenores relevantes que colocam uma acção paralela em relação com aquela que a nossa atenção foca. Ainda neste prisma da profundidade de campo, uma das sequências em que melhor notei o seu óptimo uso foi durante o primeiro acesso do espectador ao interior da carruagem. Uma grandiosa realização que nos entrega não só uma óptima sequência inicial mas também um clássico bem vincado na história do cinema.  

Comentários

  1. vergonhoso, mas ainda não vi o Once upon a time in the west :S
    E até tenho a melodia da harmónica no telemóvel lol

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    1. Se te serve de consolo, também só vi ontem pela primeira vez :P E apetece-me começar a explorar mais o cinema do Leone.

      Abraço

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    2. Dele vi o magnífico "Once upon a time in New York" que é um daqueles filmaços :D

      Dentro do Western ainda só vi o Bom, mau e vilão que tb tem muita pinta

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    3. Mais outro que ainda não vi. Vá pessoal, toca a pressionar-me a ver este desta vez eheh

      Do Leone ainda só vi mesmo este e o "O Bom, o mau e o vilão", outro que tanto gosto.

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  2. Eu não disse que era genial?! Dos melhores filmes que já tive oportunidade de ver. E belo texto, já agora, espelha muito bem a admiração que passaste a ter pela obra mestre de Leone (na minha opinião eheh). Pela minha parte escrevi isto: http://caminholargo.blogspot.pt/2012/10/cera-una-volta-il-west-1968.html

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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    1. Obrigado Jorge. E disseste sim senhor. E ainda bem, obrigado pelo conselho eheh

      Cumprimentos,
      Rafael Santos

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  3. Eu também avisei :D esta sequência é magistral, não há nada que possamos apontar de errado durante aqueles inúmeros minutos que dura a espera. Por mim o filme até podia acabar logo ali que já tínhamos uma obra prima. Este é mesmo um dos meus filmes favoritos de sempre, muito à conta deste início.

    Cumprimentos,

    PMF

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    1. E ainda bem que me avisaste, porque senão tinha demorado ainda mais a ver o filme :) Fiquei realmente rendido com aquela cena inicial. Creio que se tornou mesmo o meu western preferido.

      Cumprimentos,
      Rafael Santos

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  4. Bom texto Rafael, incontornável melodia :)

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    1. Obrigado Carlos. O mérito deste texto vai todo para o próprio filme que tanto me inspirou :)

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