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Plano-sequência (#9): Le Million (1931)

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Uma das aberturas mais belas da história da sétima arte. Uma pequena amostra da grandiosa mise-en-scène exibida no decorrer do filme. Esta curta sequência é despoletada pela despedida entre dois amores que se recolhem no interior das respectivas casas para aguardarem mais uma vez pelo amanhecer que os irá juntar novamente. A arquitectura fornece uma certa intimidade ao teor romântico tão necessário a esta abertura. Habitações tão próximas que nem por isso deixam de delimitar o espaço privado de cada um. As palavras de boa noite proferidas entre os dois amores marcam o início do movimento de câmara. Uma panorâmica horizontal afasta-se do canto enamorado, dando lugar a um travelling lateral, da esquerda para a direita, que explora a complexidade dos telhados de Paris. Um olhar superior quase omnipresente. Uma música extremamente animada chama pelo enquadrar da câmara e eleva-se na intensidade com o aproximar desta. É altura do plano dar lugar aos seres nocturnos, a...

Plano-sequência (#8): L'inconnu du lac (2013)

Em seguimento dos prodígios cinematográficos abordados no mês de Outubro e em jeito inaugural para esta segunda vaga encontra-se uma das obras de Alain Guiraudie. O filme-sensação do festival de Cannes viria a arrecadar o galardão de melhor realizador. Mas como esta rubrica não espelha considerações de um filme na sua íntegra, passo a destacar um dos planos-sequência deste drama francês. O plano em questão não se afirma como um colosso no que diz respeito à técnica. Ao invés, merece este destaque pela subtileza ao retratar um momento-chave da narrativa.  20:49 - 24:39 O olhar da câmara assume a visão do próprio protagonista, ambos com uma postura quase voyeurista. Franck (Pierre de Ladonchamps) testemunha uma mudança gradual na atitude dos dois seres que nadam no lago. No espaço de poucos segundos, a aura de brincadeira ganha contornos de sobrevivência aquando dos primeiros sinais de perigo. O enquadramento fixo mantém-se adormecido como um simples espectador. O olhar da c...

Plano-sequência (#7): Children of Men (2006)

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Com Gravity a surpreender pela positiva tanto na bilheteira como no círculo da crítica, Children of Men é um óptimo filme a rever como lembrança daquilo que Alfonso Cuarón é capaz como realizador. Não poderia reclamar melhor filme para encerrar esta primeira edição de selecção de planos-sequência. Uma rubrica que se pretende mensalmente regular, com uma semana especialmente dedicada à abordagem dos melhores exemplos na arte desta técnica que tanto admiro.  E é com uma perfeita noção de justiça que incluo os seus planos na mesma edição que se preenche com nomes como Tarkovsky, Godard, Welles, Haneke, etc. A par com o já abordado Touch of Evil , o filme de Cuarón apresenta os planos-sequências mais complexos. Não sendo possível a derradeira escolha, são assim destacados os dois planos-sequência mais ambiciosos.  26:13 - 30:21 Automóvel. Tarde. Interior. A câmara afasta-se do protagonista que se encontra a dormir no banco de trás. Distancia-se até integrar no enquadrame...

Plano-sequência (#6): Touch of Evil (1958)

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Celebrado como um dos maiores feitos na história da sétima arte, a abertura do filme de Orson Welles funciona como uma mini-narrativa que se desenrola no tempo real de pouco mais de três minutos. É realizada com o intuito de catapultar o filme mas também como forma de captar a total atenção do espectador, aquele que possui mais informação visual que todos os habitantes do mundo diegético. Funciona como uma confidência para com o espectador, que se limita a aguardar um acontecimento iminente.  Inicia-se com um enquadramento aproximado, destacando o objecto que se assume como o cerne da acção. A bomba é programada e esse mesmo relógio delimita a duração do plano-sequência. A partir daquele instante, o automóvel que alberga a bomba é o motivo que grita pelo movimento da câmara.  É usada uma grua ( crane shot ) para poder cobrir toda a acção, sendo assim possível fechar e/ou alargar o enquadramento. A câmara antecipa o percurso do veículo e eleva-se para dar lugar a um ângulo...

Plano-sequência (#5): Boogie Nights (1997)

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Não é o único plano-sequência a ter em atenção na 2 ª longa-metragem da carreira de Paul Thomas Anderson mas é sem dúvida o mais engenhoso. Ao som de Best of My Love , o plano começa por enquadrar as letras em néon que ilustram o título do filme. Dessa forma conseguia assim garantir que o estúdio não pudesse tomar a liberdade de mudar o título que ele havia escolhido em primeiro lugar. A câmara sobe e muda de ângulo por instantes, enquadrando o nome da cidade em questão. Inverte o movimento e estabelece-se agora uma visão geral do espaço. O uso da steadicam confere uma fluidez que consome a atenção do espectador.  O automóvel a seguir já se encontra em campo e a câmara limita-se a acompanhá-lo. Tudo se encontra perfeitamente orquestrado, com as entradas e saídas dos figurantes coreografadas para preencher o quadro em movimento. Todas as peças se encontram no seu devido lugar, aumentando ainda mais a sensação de mestria do plano-sequência. Quando o veículo estaciona, dá-se a intr...

Plano-sequência (#4): Le Révélateur (1968)

Philippe Garrel larga nas mãos do espectador um filme de cariz experimental, cuja total compreensão parece de alguma forma inatingível. Um filme mudo que apela à sua audiência com imagens marcantes, incluindo nas mesmas símbolos universais.  São muitos os planos-sequência que poderiam ganhar destaque de forma a ilustrar o filme. Aquele que aqui se protagoniza arranca com um ritmo acelerado com a câmara já em movimento. Observa-se uma vedação de arame farpado no primeiro plano do enquadramento, a qual se mantém presente na totalidade do plano. Um homem e uma mulher levantam do chão uma criança chorosa. As mãos enlaçadas e a criança no colo transmitem os valores familiares e a necessidade de protecção que acorre daquele momento. Inicia-se a corrida, com os olhares sempre lembrados a cobrir a retaguarda do espaço que gradualmente abandonam. Está criado o palco onde as personagens podem trabalhar o tempo e o espaço. É visível a associação com um campo de guerra. Uma banda-sonora germ...

Plano-sequência (#3): Nostalghia (1983)

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Alguns minutos antes dos planos finais, Tarkovsky entrega nesta sua sexta longa-metragem um dos mais belos planos-sequência da história da Sétima arte. A acção desenrola-se de forma subtil, apoiada num cenário natural. O escritor protagonista tem apenas um objectivo: percorrer a totalidade da piscina drenada sem perder a chama da vela durante o percurso. Inicia o acto pela margem direita do enquadramento, à qual retorna sempre que a chama se extingue e necessita de recomeçar. Durante o acto a chama extingue-se por duas vezes, sendo igualmente duas as vezes que o escritor efectua o percurso inverso da esquerda para a direita. A câmara limita-se a acompanhar o corpo que enquadra, recorrendo a um travelling lateral para cobrir todos os seus passos. Mas deixa igualmente uma distância razoável relativamente ao sujeito filmado, entregando assim o tempo e espaço necessários à sua performance . Descabido rotular tal desempenho como uma performance ? Afinal de contas, o espectador funciona com...

Plano-sequência (#2): Week end (1967)

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É inegável a presença de vários simbolismos no decorrer dos filmes de Jean-Luc Godard, passíveis de serem descodificados ao longo de várias visualizações. Pequenos pormenores que podem ilustrar a postura política do realizador ou a sua visão perante um sociedade apodrecida.  No plano-sequência em questão, pequenas pistas para a sua crítica social são dispostas pelo espaço a ser enquadrado. O plano inicia-se com a câmara em pleno movimento, ao criar espaço para que o automóvel protagonista possa preencher o campo. O enquadramento revela um automóvel azul, seguido por um branco, que por sua vez precede um vermelho. Alinhados por essa ordem, constroem desse modo a bandeira francesa. O poder legislativo apoia-se na cor azul, sendo que o primeiro veículo o representa. Observam-se várias malas de viagem no tejadilho do mesmo. Prenúncio para a queda das leis, deixando assim o ser humano à margem das regras e condutas que o comandam. Segue-se a cor branca, que ilustra o poder executivo....

Plano-sequência: Code Inconnu (2000)

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Após um prólogo cujos códigos se apresentam como inacessíveis para uma mão cheia de indivíduos, o filme do austríaco Michael Haneke catapulta-se a si próprio com um brilhante plano-sequência. Aliás, dá-se no filme em questão uma hegemonia dos planos-sequência, notando-se um claro menosprezar da montagem como meio de produzir um significado maior. As questões que Haneke pretende abordar respiram na íntegra através da sua realização.  O plano-sequência a abordar introduz as várias problemáticas que recebem a atenção do ponto de vista do realizador. Dez minutos que se fazem passar com o auxílio de um travelling lateral , que acompanha o percurso de determinadas personagens numa avenida parisiense. Inicia-se com o deslocamento de uma personagem que se introduz no mundo do enquadramento pela margem esquerda. A câmara já se encontra à sua espera e imediatamente se iguala no trajecto, caminhando para a direita do enquadramento progressivo. Uma segunda personagem, desta feita masculina,...