Indie Lisboa '13: Metamorphosen
O alemão Sebastian Mez tinha em mãos uma tarefa difícil, filmar uma ameaça invisível. O seu filme de final de curso pega num tema pouco divulgado pelos meios de comunicação social, fornecendo ao espectador o contexto histórico e visual das áreas em questão.
Ficando apenas atrás de Chernobyl e Fukushima, Mayak é conhecido como o complexo industrial que se tornou palco de um dos maiores desastres nucleares que pintam a história da humanidade. Em 1957, quase 100 toneladas de desperdícios tóxicos são libertados, contaminando grande parte das áreas circundantes. Apesar das inúmeras mortes e sequelas a longo prazo, o governo soviético ocultou o incidente durante 30 anos, contribuindo para o conhecimento empobrecido do público em geral.
Actualmente, o realizador tem de se conformar a filmar o megalómano incidente de forma mais contida, focando-se no visível, os efeitos que ainda permanecem. Nem mesmo a central nuclear tem direito a um plano mais aproximado, visto que a autorização para filmar não estava do lado da equipa. Sendo assim, Mez opta por nos oferecer o espaço contaminado através de cuidadas panorâmicas horizontais. Observamos uma floresta a relembrar certos planos de Ivan's Childhood (1962), mostrando ao espectador o escurecimento dos troncos a remeter para o desastre em questão. Panorâmicas da pequena aldeia, que nos mostra a decadência que os rodeia.
O uso do preto-e-branco é talvez a melhor opção do filme. Angaria uma maior assimilação do acontecimento de 57 e consegue embelezar uma área que outrora o homem pintou de suja. É um preto-e-branco artificial, que deve muito à pós-produção, fase na qual se intensificou o contraste e da qual decorreu as auras que envolvem pessoas e ambiente. É claramente o auge do filme.
O ritmo pausado do filme, espelhado nos planos longos, é outra boa opção. A meu ver, espelha a própria mentalidade daquela população que vive sob uma ameaça constante, uma ameaça eterna. É um ritmo de espera. Espera pelo novo ataque daqueles agentes nocivos.
A ameaça está presente. Sente-se que preenche o espaço vazio no enquadramento. Vive-se uma vida aliada à tensão. Os animais alimentam-se dos elementos do solo, são mortos e acabam como o alimento daquela pequena comunidade. O peixe pescado do lago contaminado e posto à mercê do gato esfomeado. De seguida, um plano onde o gato é o protagonista. O espectador fica sempre a ponderar acerca dos acontecimentos vindouros que a câmara não chegou a captar.
Interessante o plano em que a câmara se foca num medidor de radiação portátil, à medida que o realizador se aproxima do lago mais contaminado do mundo. Conseguiu arranjar uma forma directa de remeter o espectador para a ameaça invisível que assenta nas águas calmas.
Em contrapartida, a montagem não obteve a minha maior admiração. Compreendo que estivesse a querer contextualizar os indivíduos com os vários planos do interior de suas casas, mas senti que estava a tentar impor toda aquela pobreza como resultado único do desastre nuclear. Certos planos eram desnecessários e a transição entre eles tornou-se abrupta e o filme peca em grande parte por esse mesmo motivo.
Destaque em especial para os close-ups dos vários rostos ao longo do filme. Gostaria que tivesse mantido a ausência de narração em todos esses momentos, o que não aconteceu em dois ou três casos. Talvez esteja a ser picuinhas mas o olhar e as linhas do rosto deviam poder dizer tudo.
Classificação: 6/10
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