Crítica: Dreams (1990)
Título Original: Yume
Argumento e Realização: Akira Kurosawa
Elenco: Akira Terao; Chishu Ryu; Martin Scorsese.
[Spoilers] A 11 de Maio de 1990 estreava no
Festival de Cannes o antepenúltimo filme de Akira Kurosawa perante uma recepção
um tanto ou quanto recatada. Dreams, tal como o próprio nome indica, apresenta
ao espectador o mundo dos sonhos. Mas estes não se escondem em anonimato, pois
representam um conjunto de oito sonhos do próprio realizador. E por ser um
filme tão pessoal, acabamos por não exigir um produto com as arestas devidamente
limadas. Afinal de contas tratam-se de sonhos, produtos do nosso inconsciente.
Poucos seriam os realizadores a
conseguir tal proeza. A proeza de envolver por completo os espectadores com um
espaço e um tempo tão pessoais. Mas Kurosawa consegue-lo, através de um
argumento bem estruturado, que atribui uma determinada ordem consciente a um
produto um tanto ou quanto incoerente. Uma selecção dos sonhos que a sua mente
empreendeu no decorrer dos seus 80 anos até então. Nota-se um crescimento
gradual no ponto de vista da personagem de um sonho para aquele imediatamente a
seguir, e assim sucessivamente. A exímia montagem parte igualmente do mestre
japonês, acabando por possuir todos os meios para uma produção bastante fiel ao
projecto sonhado.
Na colectânea de sonhos podem
destacar-se alguns elementos recorrentes, tais como a morte, a hierarquia, o
poder da mão do homem, etc. Soldados que se recusam a aceitar a insignificância
da morte. Uma criança que parte em busca de redenção, de forma a evitar a
morte. Alpinistas que tentam sobreviver, mesmo perante as adversidades do
tempo. O homem individual como poluidor de uma população. Os efeitos da radiação
que direccionam a uma lei da sobrevivência, apoiada numa ordem hierárquica.
Sonhos que passam para além dessa
mesma essência e que se tornam críticas camufladas à sociedade.
Kurosawa entrega-nos uma
mão-cheia de pequenas histórias que não necessitam de principio, meio e fim
para serem devidamente apreciadas. Volta a trabalhar com Takao Saito e Masaharu
Ueda, os directores de fotografia que tornam o filme numa produção visualmente
estonteante. Cada plano é extremamente belo e os movimentos de câmara são
bastante subtis. A duração de cada plano é devidamente adequada à acção
correspondente. No episódio dos alpinistas, por exemplo, chega a ser sufocante
a caminha levada a cabo por estes, devido à sequência de planos assente numa
natureza tão fria e solitária. De destacar a maquilhagem e o guarda-roupa,
ambos sublimes. A banda-sonora de Shinichirô Ikebe acompanha na perfeição as
imagens que desfilam perante os nossos olhos. Mais uma pincelada transcendente
na tela em que se exibe a carreira de Akira Kurosawa.
Classificação: 8/10
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